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O INFERNO EM CDZ

Conceitos e referências religiosas dentro de Saint Seiya são, ao mesmo tempo, muito mais diversos, profundos e contraditórios do que você pode imaginar, se por um lado é comprovado que existe a reencarnação, o que possibilita que os cavaleiros de Athena sempre a acompanhem, também existe um conceito de céu e inferno bastante semelhantes aos do Cristianismo na obra, principalmente no caso do inferno.


Trataremos neste número de como certos clássicos da literatura ocidental têm influenciado diretamente os animes, em especial, CDZ (Saint Seiya). Esta influência a que me refiro não está apenas no que diz respeito ao tema central, ou seja, a mitologia Grega, mas também há muito do Cristianismo, sobretudo na mitologia fundamental da obra em si, descrita no Hipermito, que nada mais é do que uma seção dentro do livro “Special Cosmo”, lançado em 1988 (muito embora uma segunda edição tenha sido lançada cortando vários pontos, isto é, em relação a anterior) pela Shueisha com participação e aprovação de Massami Kurumada, tendo inspirações desde Tolkien até Lewis Carroll e passando por Dante Alighieri onde encontramos um mundo dos mortos quase idêntico a aquele descrito pelo autor em seu poema épico, A Divina Comédia, outra obra fundamental da Cristandade, chamada de muitas coisas ao longo dos séculos: “pré reformadora”; “inspirada”; “ocultista”; e até (pasme), “anti religiosa” pelos leigos.
É preciso comentar também que, nem tudo em CDZ é puramente ocidental e/ou Cristão, é claro. Sendo um trabalho japonês, ainda que bastante “ocidentalizado”, possuí uma profunda influência e base Budista, não apenas na presença do famigerado Shaka de Virgem como sendo a reencarnação de Buda, mas sim na criação básica daquilo que é conhecido como cosmo, sobretudo com relação aos 9 (nove) sentidos envolvidos na história (sim, são nove no total) e toda a questão do funcionamento do mundo com relação ao “estado” das almas em si, entretanto, isso já é assunto para uma edição futura então é melhor não misturarmos as coisas agora, apenas sigamos tratando do tema proposto.

O INFERNO EM CDZ



Logo que os cavaleiros de ouro entram em cena, mais precisamente Máscara da Morte de Câncer, ficamos cientes da existência de um buraco que liga a Terra ao submundo (Yomotsu Hirasaka), ou seja, o inferno. Mas este em especial está mais conectado com budismo e toda a “perda dos sentidos” que as almas sofrem dentro desta visão de modo que, aquele que mais nos interessa neste momento é o “segundo” buraco que leva ao inferno. Situado no Castelo de Heinstein ele apenas pode ser usado – pelos vivos – com a permissão – e proteção – de Hades.
Após despertarem o oitavo sentido (que nada mais é do que a “simples” capacidade de manter o domínio dos outros sentidos no reino dos mortos), Seiya e companhia se veem no inferno, na verdade, nos deparamos com um inferno bastante familiar, ao menos, para aqueles que são fãs de literatura e conhecem a inspiração original para esta representação do mundo dos mortos, “A DIVINA COMÉDIA”.


Nomeada inicialmente apenas como “Commedia” (na época, basicamente existiam apenas dois gêneros de literatura: comédia e tragédia) foi escrita por volta de 1304 por Dante Alighieri na República Florentina (Itália), mais tarde, devido a sua imensa complexidade e importância religiosa – dizia-se que o livro era inspirado por Deus, Dante chegou a ser considerado um profeta e/ou também um “pré reformador”, o próprio autor menciona que “seu livro se fez necessário pois trata-se de um (terrível) aviso para todos, mostrando qual será o destino que aguardaria o mundo corrompido a sua volta” – leituras públicas dentro das igrejas eram realizadas e até uma votação para incluí-lo no cânone Bíblico foi levantada. Mesmo não entrando para a Bíblia, a obra veio a ser rebatizada como “A Divina Comédia” por Giovanni Boccaccio (1313 – 1375), poeta e crítico literário importante da época.
Apenas o livro por si só já daria toda uma vida de discussões (penso que todo Cristão e/ou “fã” de literatura ocidental deveria conhecer Dante) mas, infelizmente, por mais que estes aspectos “sejam Dantescos” e que me agradasse discorrer mais sobre isso (quem sabe em outra edição), não é este o propósito hoje, então teremos de retornar ao assunto principal: o inferno de CDZ…
Mas antes de continuarmos, que tal uma pequena parada em Willian Shaekespere?

– “Mas o que tem a ver CDZ, A Divina Comédia e agora Shaekespeare?” – você deve estar se perguntando!

Ora, em sua obra, A TEMPESTADE, escrita entre 1610 e 1611, o autor nos apresenta ao personagem Próspero (sim, seu nome é Próspero), o “destronado” duque de Milão que, dentre os vários livros de magia e outros assuntos que possuía em sua biblioteca pessoal (o que lhe permitira, mais tarde, até mesmo controlar um gênio, aqueles da mitologia Árabe), encontra-se também uma cópia do mapa do inferno desenhado pelo próprio Orfeu, na ocasião em que desceu até sua amada e morta, Eurídice. Seria apenas uma estranha coincidência que Orphé, cavaleiro de prata de Lira estivesse no inferno em CDZ?
É plausível pensar que foi o cavaleiro de prata o verdadeiro responsável por desenhar o mapa que nos é apresentado no anime/mangá?
Aposto que você, leitor (a), não levou muita fé quando eu disse que CDZ era repleto de referências a literatura ocidental, não é verdade?


E agora, munidos de nosso mapa do inferno desenhado por Orfeu ou Orphée… Orpheus… Orphéus… Oρφεύς… ???
Eu nem sei mais, mas não importa… é hora de darmos um pequeno passeio pelo inferno, tanto de CDZ, quanto de A Divina Comédia comparando os dois: inicialmente notamos que, dentro do livro de Dante, o inferno é dividido em 9 círculos que se afunilam até o centro da Terra (um buraco que leva ao inferno), enquanto que em Saint Seiya temos a descrição de 8 círculos, 3 vales, 10 fossos e 4 esferas. Para se chegar ao inferno de fato, em ambas as obras é preciso cruzar por um portal onde há a seguinte frase:

Deixai toda a esperança, vós que entrais!

Onde, no anime, a frase fora transcrita para o Grego. Em seguida, tanto no anime, quanto no livro, temos o rio Aqueronte, onde um barqueiro atravessa os mortos.

Caronte, o barqueiro do rio Aqueronte (no inferno):

1° Circulo/Prisão:

Na Comédia, antes de se chegar ao “inferno verdadeiro”, no primeiro círculo temos o “Ante-inferno”, localizado logo abaixo do abismo de entrada, este é o lugar para onde aqueles virtuosos, porém pagãos ficam (pois morreram sem conhecer Cristo), eles não podem entrar no céu, mas também não estão no inferno, senão “as portas dele”.

Beatrice visita Virgílio no limbo:

Em CDZ: aqui se localiza a casa do julgamento, onde os 3 (três) juízes decidem para onde irá cada pecador que chega; também temos o Vale da Ventania Negra, onde os condenados são atormentados por furacões que nunca param de girar.

2° Círculo/Prisão:

Na Comédia: encontramos Minos, o juiz infernal que designa a cada morto o círculo que será enviado, de acordo com quantas vezes sua cauda se enrola.

Minos, juiz dos condenados:

Depois dele está o Vale dos Ventos, onde estão os luxuriosos atormentados por furacões que nunca cessam de girar, aqui estão Semíramis, Cleópatra, Helena de Troia, Aquiles, Páris e Tristão.

Em CDZ: é para onde aqueles que cometem o pecado da gula são enviados para serem devorados por Cérbero, o cão de 3 (três) cabeças; também é onde Euridice e Orphée foram enganados e a jovem teve seu corpo transformado em pedra.

3° Circulo/Prisão:

Na Comédia: aqui vemos aqueles que cometeram o pecado da gula, afundados em um mar de lama (feito do próprio vomito) onde sofrem também fortes chuvas, granizo e neve.

Dante e Virgílio entre os Glutões:

Cerberus o cão de guarda do inferno, também os dilacera todo o tempo.

Em CDZ: é onde os cobiçosos/gananciosos são condenados a rolarem grandes pedras (do tamanho de seus desejos) pela eternidade.

4° Circulo/Prisão:

No quarto circulo estão os pródigos e avarentos, onde suas riquezas se transformam em grandes pedras, cujos dois grupos (pródigos e avarentos) tentam rolá-las um contra os outros, além de trocarem injurias. Aqui estão os deuses da riqueza Plutão e Fortuna.

Punição dos avarentos:

Em CDZ: onde está localizado o Pantano das Trevas, para onde aqueles cheios de ódio e dominados pela ira combatem uns contra os outros.

5° Circulo/Prisão:

Na Comédia: logo na entrada do quinto círculo, há uma cachoeira de sangue, da cachoeira se forma o fervente rio Estige, onde aqueles que cometeram o pecado da ira são submersos, boiando neste rio está Flégias, um semideus filho de Ares.

Virgílio empurra Filippo Argenti de volta ao rio:

Em CDZ: é onde os hereges sofrem atormentados por chamas dentro de seus próprios túmulos.

Antes do sexto circulo, na Comédia, encontramos a cidade de Dis, habitada por mil demônios e monstros mitológicos, a cidade é a divisa entre os pecadores por omissão e aqueles que realmente o fizeram por vontade.

Virgílio confronta os demônios na entrada da cidade de Dis:

Semelhantemente, em CDZ vemos no mapa o desenho e a descrição de um “labirinto do minotauro”, mas não se sabe se trata-se de um carcere para um minotauro real ou a habitação do espectro Gordom de Minotauro.

6° Circulo/Prisão:


Na Comédia: estão os hereges e aqueles que não creem em Deus, condenados a ficarem presos em túmulos abertos, mas que queimam eternamente. É o local de tormento, segundo Dante, do papa Anastásio II. No fim desse círculo há outro abismo de onde vem um odor incrivelmente fétido.

Em CDZ: aqui existem outros três vales: o Inferno de Sangue, para onde vão os criminosos violentos, lá eles são jogados num rio de sangue fervente. Depois temos a Floresta dos Suicidas, onde os pecadores são transformados em árvores e as Harpias fazem ninhos em seus galhos. Por fim, está o Vale do deserto abominável, onde os violentos contra os deuses são condenados a um deserto escaldante, este pode ser um dos destinos dos cavaleiros de Athena por combaterem contra outros deuses. Entre a sexta e sétima prisões existe um rio de sangue composto pelo sangue de todos os condenados que flui desde o primeiro vale, formando uma cachoeira no terceiro.

7° Circulo/Prisão:

Na Comédia: após cair pelo fétido abismo, chega-se a três vales: no primeiro está o rio Flegetonte, onde estão mergulhados aqueles que cometeram violência contra o próximo. Todos aqueles que tentam sair do rio são crivados por flechas atiradas por centauros as margens do rio. Aqui encontramos além dos centauros e o minotauro, as almas de Quíron, Díonisio, Alexandre III, Atila, além de outros personagens históricos. No segundo vale está a Floresta do Suicídio:

Floresta dos Suicídios:

Onde os suicidas são transformados em árvores grotescas e retorcidas, estas árvores servem de alimento para Harpias, que, ao serem devoradas sentem extrema dor e até sangram.
No terceiro vale estão aqueles condenados por violência contra Deus, eles vagam num terrível deserto onde chove fogo. Este deserto representa o oposto do mundo criado, sem cor, sem vida, sem esperança e, a cada crime, um castigo diferente é reservado. No fim deste vale há mais uma cachoeira de sangue cercada por milhares de condenados.

8° Circulo/Prisão:

Na Comédia: o oitavo círculo chama-se Malebolge e é dividido em 10 fossos, aqui estão aqueles que cometem fraudes:

No primeiro fosso estão os valentões açoitados por demônios.
No segundo fosso, os aduladores e lisonjeiros imersos nas próprias fezes.
No terceiro fosso, os Simoníacos (traficantes de artefatos sagrados), enterrados de ponta cabeça têm seus pés consumidos por chamas num tipo de batismo profano.
No quarto fosso, os adivinhos têm suas cabeças viradas para trás e suas lágrimas molham suas nádegas, aqui está Tirésias, adivinho que aparece na Odisséia.
No quinto fosso, estão os corruptos, submersos num lago de piche fervente e aqueles que tentam pôr as cabeças para fora são mutilados por demônios.

Alichino ataca Ciampolo (demônio):

Demônios confrontando Dante e Virgílio:

No sexto fosso estão os hipócritas, vestidos com belas roupas, mas que pesam-lhe imensamente, este é o peso que não sentiram na consciência quando vivos.
No sétimo fosso, como punição por terem roubado, os ladrões têm seus corpos e feições humanas roubadas por serpentes.

Punição dos Ladrões:

No oitavo fosso estão os maus concelheiros, atormentados por chamas, oceanos de lava e tempestades de raios, este é o local de tormento do próprio Odisseu.

Ungolino roendo o cérebro do arcebispo Ruggieri:

No nono fosso estão os semeadores de discórdias, sempre divididos em pedaços pela espada do demônio.
No décimo fosso estão aqueles que cometeram falsificação ou engano, são atormentados por todo tipo de doenças.

Em CDZ: este é o Cócyto, o inferno congelado para onde são mandados aqueles que se rebelam contra os deuses, não é atoa que os cavaleiros de ouro foram jogados aqui. Esta prisão está dividida em 4 (quatro) esferas:
Na primeira, Caína, estão os mortos que traíram parentes e amigos com seu tórax e a cabeça para fora do gelo.
Na segunda, Antenora, estão os que traíram sua pátria ou partido político, com apenas a cabeça para fora do gelo.
Na terceira, Ptolomeia, estão os que traíram seus hóspedes.
Na quarta está localizada a Giudecca, o palácio de Hades, em seus arredores estão os mortos que traíram seus mestres, reis ou deuses, estão totalmente submersos no gelo do rio Cócytos.
Atrás do palácio está o Muro das Lamentações que separa o inferno dos Elísios (o paraíso). E aqui termina o mundo dos mortos em CDZ, mas dentro da Divina Comédia, ainda temos o nono circulo para explorar.

9° Circulo:

O nono circulo é o lago congelado Cocite (Lago das Lamentações, formado pelas lágrimas dos condenados) onde estão os traidores. Logo em sua entrada existem diversos gigantes congelados, traidores de Zeus.

Efialtes e outros gigantes:

Neste círculo existem 4 esferas, para onde são enviados os condenados de acordo com a gravidade dos crimes. Na primeira esfera, Caína, estão os traidores de seus pares (adultério), presos no gelo com o tórax e a cabeça para fora.
Na segunda esfera, chamada Antenora, estão os traidores da pátria (ou políticos), presos no gelo até o pescoço.
Terceira esfera, Ptoloméia, é onde estão os traidores de seus hóspedes, presos apenas com o rosto para fora e quando choram suas lágrimas congelam-se em seus olhos.

Na quarta esfera, a Judeca, estão os traidores de seus mestres e reis, tal como Judas. Aqui também está lúcifer preso até o tórax.

Dotado de asas sem pele e com 3 cabeças, o demônio passa seu tempo mordendo três dos maiores traidores da história: Judas, Brutus e Cassius.


Como se tudo isso não bastasse, ou seja, como se os nove círculos anteriores já não fossem terríveis o bastante, para encontrarmos a saída do inferno teremos de entrar no corpo do anjo caído, percorrer seu sistema digestivo e sair por seu ânus… É dessa forma que Dante e Virgílio deixam o inferno e se dirigem ao purgatório e depois ao paraíso. Mas a nossa viagem (felizmente) chegou ao fim, escapamos do inferno!




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